Com a recente (e polêmica) alcunha de
pensadora contemporânea — depois de se tornar tema de uma questão de
prova escolar —, Valesca Popozuda não se intimida com um livro sobre
Aristóteles nas mãos. “Ninguém é dono da sua felicidade, por isso não
entregue a sua alegria, a sua paz, a sua vida, nas mãos de ninguém”, lê a
rainha do funk, em voz alta, ao abrir o exemplar numa página aleatória,
enquanto faz cabelo e maquiagem num salão na Barra.
— A mais pura verdade! — sentencia a loura, de 35 anos, ao completar a
leitura, finalizando com sua mais famosa nota de rodapé, um beijinho no
ombro.
Valesca Popozuda posa com livro sobre Aristóteles e comenta fama de pensadora Foto: Rafael Moraes
Assim como seu ancestral grego, Valesca mantém intacto o seu Olimpo
sagrado: o baile funk. A cantora, que vem ganhando espaço nos bastidores
do mundo da moda, no movimento feminista e até no mundo acadêmico (como
objeto de estudo), continua circulando nas festas de funk e pagode pelo
Rio. Claro que, agora, entre uma viagem e outra de sua apertada agenda.
O Extra acompanhou na última segunda-feira, numa casa noturna em Campo
Grande. Nos corredores de parede chapiscada do backstage, desfila a
mesma Popozuda de sempre.
— Estou vivendo um momento bom. Amo o que faço. Não chego num lugar e
falo “Dá licença que eu sou a Valesca”. Estou só fazendo o meu
trabalho. Não vou deixar de ser funkeira, e não vou mudar nada para que
me aceitem — sinaliza a recente diva , assegurando que a fase mais
chique da carreira em nada vai impedi-la de cantar os palavrões tão
fortemente enunciados na época de Gaiola das Popozudas, principalmente
em parceria com o amigo Mr. Catra: — Vou no que a onda me leva. É claro
que na TV não dá para cantar palavrão. E tem algumas festas também em
que me pedem para não falar. Aí no refrão eu fico quieta e o público
mesmo canta. Se tiver que fazer mais música de palavrão com o Catra, vou
fazer. Não virei santa.
Valesca Popozuda se prepara para uma noite de show Foto: Freelancer / Agência O Globo
O impulso para o topo, mas com os dois pés no chão, vêm não apenas
dos 200 pares de sapato. Dona Regina, mãe de Valesca, é a maior
incentivadora da funkeira.
— Sempre dei apoio. Estou orgulhosa do momento, mas só espero que ela
nunca perca a humildade — diz a dona de casa, de 53 anos, mãe dos
outros três irmãos de Valesca e avó coruja de Pablo, de 14, filho da
funkeira: — Somos uma família unida, faço tudo por eles. Uma vez
apareceu um irmão de Valesca (por parte de pai) na Sapucaí. O cara só
virou irmão depois que ela ficou famosa, pelo visto. Viramos a cara
mesmo.
Recentemente, Valesca se tornou uma porta-voz importante do movimento
feminista, principalmente depois de postar uma foto nua em protesto
contra o estupro. Ela diz que o tema a mobiliza por histórias de amigas.
Embora de maneira controversa, ela tem sido comparada à escritora
feminista Simone de Beauvoir. Mas a ex-Gaiola garante que sua luta pela
liberdade da mulher pouco tem a ver com o existencialismo francês. Mais
uma vez, traz à tona a influência da mãe e da vida real entreouvida nas
ruas.
— Não gostava da maneira como meu padrasto (pai dos três irmãos)
tratava minha mãe. Foi por isso que saí de casa aos 14 anos. Até hoje
recebo histórias de mulheres que não aguentam mais o marido, que não
conseguem trabalho. Por mais que seja um furacão no palco, tenho um lado
sensível, e me emociono muito — conta Valesca, lembrando da história
mais marcante de fã que já ouviu, e que, curiosamente, não foi de uma
mulher: — Foi de um gay de 17 anos. O padrasto não aceitou. A mãe o
colocou para fora sem dó nem piedade. Foi viver na rua e a primeira
opção que encontrou foi se prostituir.
Além de assumir os compromissos com o funk e os novos públicos que
vem atingindo, Valesca vive, em suas palavras, um grande desafio: ser
mãe de um adolescente de 14 anos. Pablo, filho da funkeira com o ex e
empresário Leandro Pardal, tem a mesma idade que ela tinha quando saiu
de casa.
— Fui para a rua já sabendo o que é certo e o que é errado. Outro dia
ele falou que estava namorando e fiquei de cabelo em pé. Agora está só
pegando. Falo sobre tudo, e já dei um saco de camisinha para ele —
conta, desinibida.
Embora a mãe seja um símbolo de liberdade, principalmente sexual, a
vida de Pablo não é só festa. O garoto, do 8º ano num colégio particular
da Barra, fica de castigo. Lembra do pior: quando ficou de recuperação
no ano passado.
— Ela me deixou sem ir para festa, sem sair. Mas ela é legal. Vamos
no cinema, jantar fora, e quando ela está de férias, viajamos. Fomos
para Orlando, Miami e Los Angeles — diz o adolescente, que não pretende
seguir os passos do funk trilhados pelo pai e pela mãe: — Quero
administrar empresa.
Esse é só um dos lados caretas da autora de hits como “Solteira”, “My
pussy é o poder”, “Beijinho no ombro” e muitos outros de títulos
impublicáveis. Solteira, afirma que a quantidade de trabalho (cerca de
quatro viagens por semana) estão tirando o apetite sexual dela.
— Sou romântica, gosto do serviço completo. Nada rapidinho, pela
metade. Trabalho muito, fico cansada como qualquer um. De que adianta
fazer correndo? — brinca a Popozuda, tremendo o corpo e fazendo barulhos
engraçados numa tentativa de encenação de sexo.
Valesca Popozuda antes de entrar no palco, numa casa de show em Campo Grande Foto: Freelancer / Agência O Globo
Sem deslumbramento com a fama, algumas coisas mudaram na vida de
Valesca desde o início da carreira solo, há cerca de oito meses — além, é
claro, do cachê triplicado, que chega a R$ 60 mil. São oito quilos a
menos na balança (perda de massa muscular, explica a loura) e menos 20
centímetros de coxa. A vontade de reduzir medidas veio depois da
participação na “Fazenda”, quando foi vista por 84 dias na TV.
— Cheguei a ter 79cm de perna. Hoje estou com 56cm. Gosto de ficar
mais magrinha, fico mais elegante. É tudo fase. Antes queria ver a calça
colando na perna sarada, me sentia gostosona. Agora prefiro os shorts
mais largos — declara Popozuda, que vai manter as próteses de silicone
no bumbum e nos seios, e trocou a musculação pela ginástica funcional.
Fumante assumida, não pretende mexer no vício tão cedo. Mas um dos
hábitos mais recentes é a pilha de exercícios vocais e até mesmo
nebulização, com acompanhamento de fonoaudióloga, antes de cada show:
— A gente já abre mão de tanta coisa na vida. Vou levando (o cigarro) por enquanto.
Valesca Popozuda faz nebulização antes dos shows Foto: Freelancer / Agência O Globo
Outra mudança radical foi o gosto pela moda. Valesca, que contratou
uma personal stylist porque odeia arrumar mala, é vista com frequência
nos eventos de passarela. O flerte com a sofisticação trouxe novos
popofãs. Um deles é o professor e tradutor Marcelo Bergallo, de 31 anos.
De casamento marcado em Paris no fim do mês com um empresário francês,
convidou a funkeira para a cerimônia.
— Gosto de tudo nela. Se tivesse verba, traria Valesca para cantar
nos salões franceses. Já estou me candidatando para ser intérprete dela
quando vier por aqui — aposta Marcelo.
Debruçada sobre o popozão de Valesca há quase dois anos, a mestranda
de Comunicação e Sociologia da Universidade Federal Fluminense, Mariana
Gomes, deve defender sua dissertação, “My pussy é o poder”, em dezembro
deste ano. Popofã antes de qualquer coisa, elogia a influência de
Valesca no feminismo atual, e projeta que a funkeira deve fazer parte do
imaginário carioca por muitos anos.
— Eu acho difícil que, consagrada desse jeito no cenário do funk
carioca, Valesca perca seu espaço. Mas se até Madonna e Lady Gaga
tiveram que se reinventar, ela também pode precisar em algum momento da
carreira. Até agora ela está cumprindo com o seu papel — sublinha a
acadêmica.
Com essa comparação de fazer inveja a qualquer candidata a diva pop, Valesca fala para as “recalcadas de plantão”:
— Ainda existe um preconceito contra o funk, mas é uma minoria. Aceita que dói menos.
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