quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Mulher casa virgem e contrai HIV na primeira relação sexual

Trinta anos depois do surgimento da Aids, a cara da doença mudou. Antigamente, existiam os chamados grupos de risco, como os homossexuais masculinos e os usuários de drogas injetáveis.

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Hoje, como mostra o doutor Drauzio Varella, o que existe é comportamento de risco. Tanto é que a contaminação está cada vez maior entre as pessoas com mais de 50 anos, principalmente as mulheres.

“Eu casei aos 18 anos. Era uma estudante, uma pessoa feliz. Uma adolescente que vivia dentro dos parâmetros de Deus, porque eu fui criada na igreja”, conta a voluntária do grupo Pela Vidda Mara Moreira, que vive em Itaguaí, município do Rio de Janeiro. É evangélica e segue os preceitos da igreja. Para ela, sexo só no casamento.

“Um dia eu estava indo para Campo Grande. Outro dia, estava indo para Cuiabá. Então, eu não tinha raiz em parte alguma”, revela o caminhoneiro aposentado Nestor Ramiro de Assis, que levava a vida de um jeito bem diferente. Quando se separou da esposa, aproveitou a liberdade da estrada.

No início, a Aids foi chamada de peste gay. Depois, surgiu o conceito de grupos de risco: homens homossexuais, usuários de drogas injetáveis e mulheres com muitos parceiros. Enquanto isso, em silêncio, o vírus se espalhava entre homens e mulheres que não faziam parte desses grupos.

“As mulheres dos postos acham que todos os motoristas têm dinheiro. Então, você não pode dormir na cabine dos postos porque elas ficam batendo no vidro da janela, convidando para fazermos amor”, conta o caminhoneiro aposentado.

Hoje nós sabemos que não há grupos de risco. O que existe é o comportamento de risco. O comportamento de risco é caracterizado pela relação sexual sem preservativo. Segundo o Ministério da Saúde, os casos de Aids aumentam no grupo de mulheres casadas e nas pessoas acima dos 50 anos de idade.

Maria Filomena Cenicchiaro, diretora do ambulatório do Centro de Referência do Tratamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis de São Paulo, confirma que os dados estão de acordo com os testes realizados no ambulatório. “Essa população não procura muito os centros de teste. Quando elas procuram é porque descobriram que o parceiro ou a parceira já está desenvolvendo a Aids. Aí, vai fazer o teste e normalmente tem um resultado positivo”, diz.

“Apesar de ter casado virgem, eu não usava camisinha. Como método contraceptivo, eu usava pílula. Eu não queria engravidar porque estava estudando e tinha acabado de me casar”, lembra Mara Moreira. Ela conta que achava que estava fora dos grupos de risco, mas a Aids estava mais próxima do que ela esperava. “Três meses depois de casar, meu esposo ficou muito doente. Foi feito o exame. Ele era positivo para o HIV e não sabia Três meses depois veio o meu resultado, também positivo”.

“No início de 1986, nós tínhamos uma mulher com Aids para quinze homens. Hoje, temos dez mulheres para quinze homens. Quando pegamos o corte de 13 a 19 anos, é o contrário: para cada dez meninas oito meninos”, revela o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão.

“Eu não tinha conhecimento nenhum de como se pegava o HIV. Eu não tinha informação nem se podia lavar a roupa junto na mesma máquina, se podia compartilhar o prato, a colher”, conta Mara Moreira.

Você só pega Aids se fizer sexo com penetração sem camisinha ou se usar seringas e agulhas contaminadas pelo vírus.

“A gente ficava 90 dias fora viajando e ao menos aos sábados tinha que acontecer alguma coisa, quando não era no meio da semana. Então, umas duas por semana dava. Foram 17 anos assim”, conta Nestor Ramiro de Assis, de 72 anos. Na geração dele, ninguém se preocupava com a Aids. Diziam até que usar camisinha era como chupar bala sem tira o papel. Eles pensavam que homens que só mantinha relações sexuais com mulheres não corriam risco de pegar a doença. Estavam enganados.

“Foi assim que eu adquiri o HIV. Não me interessa saber de quem foi que eu peguei, porque eu não vou saber mesmo. O culpado sou eu, mais ninguém”, diz Nestor Ramiro de Assis.

“Nós temos toda uma conversa para mostrar que o estímulo não é no pênis, nem na região genital. Primeiro, é na cabeça. É só beijar e pronto, o estímulo já foi acionado, já houve uma ereção. Tem que aproveitar a ereção e colocar a camisinha nesse momento”, orienta Maria Filomena Cenicchiaro.

“As pessoas não estão tendo consciência”, comenta uma mulher.

“Na verdade, quase ninguém usa”, completa um homem.

Fizemos alguns avanços: acabamos com a transmissão do HIV por transfusão de sangue, reduzimos muito a de mãe para filho e por drogas injetáveis. Hoje, a principal forma de transmissão é a relação sexual sem preservativo. Infelizmente, o uso de camisinha vem diminuindo entre mulheres e homens de qualquer idade, tanto nos relacionamentos estáveis quanto naqueles mais casuais.

Através do sexo, o vírus da Aids passa de um homem para outro homem; do homem para mulher e da mulher para o homem. Passa, sim, da mulher para o homem.

“Nunca passou pela minha cabeça que eu pudesse pegar o vírus da Aids. Falam muito pouco sobre isso. E, quando falavam, achávamos que era com os outros”, diz Nestor Ramiro de Assis.

Na periferia de Ponta Grossa, no Paraná, funciona a ONG Reviver, que atende as famílias dos portadores do vírus da Aids. Nestor Ramiro de Assis é motorista e uma espécie de faz-tudo na instituição.

“A chegada do Nestor à instituição foi uma surpresa e um presente. Os trabalhos estavam começando em Ponta Grossa, uma região bem fechada para isso, e não tínhamos motorista. Ainda havia muito preconceito. Ele chegou, se dispôs a ser motorista e fez disso uma missão de vida”, lembra Cláudia Maria Hey Silva, da ONG Reviver.

“Se perguntarem para mim um dia por que eu faço esse serviço eu vou dizer que não sei. Eu faço porque gosto, não espero recompensa de ninguém. Eu nunca pensei em ajudar os outros para ir para o céu”, garante Nestor Ramiro de Assis.

“Os coroas e as coroas estão fazendo mais sexo desprotegidos. Percebemos o aumento da incidência em mulheres acima de 50 anos. É uma nova dinâmica, são novos desafios. Temos que estar preparados para enfrentá-los”, diz José Gomes Temporão.

Depois do choque de descobrir que tinha o vírus da Aids, Mara e Nestor reagiram. E, graças ao tratamento antiviral, a vida deles melhorou. Mas todo cuidado é pouco. Sem tomar os remédios todos os dias, os portadores do HIV ficam sujeitos a infecções e voltam a correr riscos.

No próximo domingo (16), você vai conhecer pessoas que estão em tratamento e o impacto que ele provocou em suas vidas.

“Hoje, quando uma pessoa estranha me pergunta se eu tenho HIV, respondo que sim e pergunto: ‘e você?’”, finaliza Nestor Ramiro de Assis.
donte:globo

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