quinta-feira, 1 de setembro de 2011

famosos de plantão:'Escolha da carreira deve ser feita com o coração', diz atriz Mayana Neiva

Paulo Guilherme Do G1, em São Paulo

Mayana Neiva, de 28 anos, foi eleita a atriz revelação de 2010 (Foto: João Miguel/TV Globo)Mayana Neiva, de 28 anos, foi eleita a atriz revelação
de 2010 (Foto: João Miguel/TV Globo)

Muito além do sucesso como a exuberante Desirée, de “Ti ti ti”, que lhe valeu o prêmio de atriz revelação do ano passado, ou da boa repercussão no papel da elegante Vicentina, de “Cordel Encantado”, a paraibana Mayana Neiva, de 28 anos, entende o que se passa na cabeça dos estudantes que têm dúvidas sobre que carreira escolher na inscrição do vestibular.

Mayana é formada em dramaturgia pela Universidade de São Francisco, nos Estados Unidos, e em letras (com ênfase em filosofia) pela PUC de São Paulo. Mas, no que dependesse da vontade do pai, a musa da novela das seis seria hoje advogada ou promotora. “Fiz três anos de direito na Universidade Federal da Paraíba”, conta Mayana. “Cheguei a fazer estágio em advocacia até que um dia descobri que aquilo não era para mim.”

O sonho de Mayana, quando menina, era ser astrofísica. Adorava ciências, lia obras de famosos pesquisadores do espaço como Carl Sagan e Stephen Hawking e se sentia conectada com o mundo dos astros.Mayana aprendeu como transitar no universo do conhecimento, mexendo com arte, teatro, literatura, filosofia, ciências e física. Na adolescência, ela descobriu a paixão pela dramaturgia ao fazer intercâmbio nos Estados Unidos. Mas passou ainda pelo direito e letras até se firmar como atriz e, agora, escritora de livros infantis. Em entrevista ao G1, Mayana dá a dica para os vestibulandos que ainda estão em dúvida: “O mais importante é sentir o coração”.

O G1 publica esta semana uma série de reportagens sobre a escolha da carreira a partir do vestibular. Como foi esta experiência para você?
Mayana Neiva -
Eu sei bem o que é isso. Eu fiz direito na UFPB. Tinha voltado dos Estados Unidos onde cursei dramaturgia na Universidade de São Francisco. Mas meu pai me falou que ser atriz no Brasil não dá certo, é preciso ter uma profissão “direita”. Eu achava interessante a Justiça, gostava de observar o trabalho de um promotor, que é parecido com trabalho do ator. Então fiz dois vestibulares, primeiro para direito e depois para letras.

Mayana (com Paula Bularmaqui) vive uma atriz de cinema mudo em 'Cordel Encantado' (Foto: TV Globo/Divulgação)Mayana (com Paula Bularmaqui) vive Vicentina, uma
atriz decinema mudo em 'Cordel Encantado' (Foto:
TV Globo/Divulgação)

Em que momento você descobriu que direito não era o que você queria?
Durante a universidade fui descobrindo um monte de coisa que não tinha a ver comigo. Não me identificava com a postura das pessoas do direito civil e do direito constitucional. O direito tributário foi acabando comigo. Na minha sala via colegas animados copiando as aulas de direito financeiro, processo civil, processo penal. Fiz estágio e descobri que não era aquilo que eu queria. Eu tinha um sonho de justiça. Vi que entre o meu sonho e a realidade havia muita diferença. A Justiça brasileira tem muita burocracia. No fundo eu sabia que coração pulsava por outras coisas. Estava difícil continuar em direito.

Quando você descobriu que seu coração pulsava pelo teatro?
Foi quando fui fazer intercâmbio nos Estados Unidos aos 15 anos. Foi a primeira vez que fiz teatro na minha vida. Foi uma experiência de educação muito interessante. Eu tinha aula de literatura com uma professora da Checoslováquia que lecionava em inglês. A gente estudava literatura de uma forma viva, lia livros de todos os países de língua inglesa, como África do Sul, Austrália, Inglaterra. Até literatura aborígene australiana a gente estudou. Ao estudar cada livro a gente fazia a comida daquele país e estudava outros aspectos da cultura. Quando vi povo no teatro transformando texto em coisa viva e sentindo emoções legais eu fiquei louca. Ali eu sabia que queria ser atriz, mas a coragem só veio depois (risos).

Existem profissões onde você pode fazer vôo solo. Na atuação não. Se o seu medo é maior do que a sua vontade, esqueça essa história de ser artista"
Mayana Neiva

Você também gostava de astrofísica. Por que não tentou seguir esta carreira?
Eu sempre gostei de astrofísica. Desde criança eu queria ser cientista. Ganhei prêmio de física quando estudei nos Estados Unidos. Lá fiz uma teoria para a camada de ozônio que funcionava como espelhos côncavos, parte refratário e parte refletido. Lia muito Stephen Hawking, Carl Seagan e me interessava parte lúdica da física. Mas depois que descobri o teatro, deixei a astrofísica de lado.

O que você diria ao estudante que vai escolher sua profissão?
O mais importante é sentir o coração. É ele que vai se sustentar. Temos no Brasil a cultura reducionista de que a pessoa tem que ganhar dinheiro. Tem que ter muito amor. O amor é o que faz a sua vida.

Atriz ganhou o prêmio de revelação de 2010 por sua atuação em 'Ti ti ti' (Foto: Márcio Nunes/TV Globo)Atriz ganhou o prêmio de revelação de 2010 por sua
atuação em 'Ti ti ti' (Foto: Márcio Nunes/TV Globo)

Fizemos chat no G1 sobre orientação vocacional e muitos estudantes manifestaram desejo de fazer carreiras artísticas (música, artes cênicas, artes plásticas), mas têm medo de não conseguir se sustentar com o trabalho. O que você tem a dizer sobre isso?
A arte é uma profissão de muitas inseguranças. Tem que querer muito. É uma profissão muito difícil. Não tem espaço para se ter medo. A escolha artística para mim está ligada a existir. Nem acho que é uma escolha. É uma coisa de dom, de nascer com aquela vontade do seu coração. De fato conheço colegas que são incríveis, mas às vezes lhe faltam oportunidades. Em todas as profissões tem pessoas que querem e não conseguem. Ser ator exige estrutura enorme, como diretor, equipe de produção. Existem algumas profissões onde você pode fazer vôo solo. Na atuação não. Se o seu medo é maior do que a sua vontade, esqueça essa história de ser artista.

O sucesso com atriz lhe dá a certeza de ter feito a escolha certa?
Existe uma falsa ideia de sucesso. Estar na TV é muito legal, mas ser artista é um querer muito mais profundo. O reconhecimento significa muito pouco perto do que é sua própria realização. Tem que estar em paz com você mesmo. A gente sempre se questiona sobre o que está fazendo. E quando eu me questiono, percebo que quando estou atuando me sinto uma criança, feliz, encontrada. Foi a escolha certa. Mas tem de ter muita coragem, certeza e batalhar muito.

Experiência da educação é grandiosa para o ser humano, a educação constrói idéias muito subjacentes ao que é uma prova "
Mayana Neiva

O que você acha do vestibular?
O vestibular não mede conhecimento. O adolescente estuda para o vestibular, mas não para a vida. Não tem a experiência do conhecimento. Não defendo o americanismo, mas nos Estados Unidos tem sistema que leva em conta toda a sua vida estudantil. Não é uma prova que mede o tipo de pessoa que você é. Aqui é um processo desgastado, a educação não é valorizada. As pessoas passam pelos livros decorando fórmulas para passar no vestibular sem entender o que aquilo significa. Experiência da educação é grandiosa para o ser humano, a educação constrói idéias muito subjacentes ao que é uma prova. O vestibular é uma coisa decadente que não mede conhecimento e deveria ser reformulado. Experiência da educação é grandiosa para o ser humano, a educação constrói idéias muito subjacentes ao que é uma prova.

Mayana Neiva publicou livro infantil este ano (Foto: Divulgação)Mayana Neiva publicou livro infantil este ano (Foto:
Divulgação)

Como melhorar a educação do Brasil?
Vamos lutar pelos nossos direitos. As pessoas estão valorizando os fins. O processo é muito importante. A obsessão pela vaga na universidade vaga no mercado cria uma neblina, as pessoas não vivem a experiência de ser educado. Como queremos ser país sem dado civilizatório que é educação? Está tudo errado. A minha geração é apolítica, individualista, sem nenhuma noção de humanidade. Eu como atriz, por exemplo, vivi agora a experiência de viver o papel de uma guerrilheira ao atuar em um filme argentino sobre a ditadura argentina: “Infância clandestina”, produzido por Luis Puenzo e dirigido por Benjamin Ávila. Foi através do meu trabalho que consegui me identificar humanamente o que representou para aquelas pessoas viveram a ditadura no nosso país vizinho. É preciso, portanto, uma mudança de mentalidade.

Você acaba de publicar um livro infantil. Qual foi a mensagem que você quis passar?
Hoje em dia as mães criam os filhos dizendo que ele é precisa ser o melhor. Vivemos numa sociedade que tem medo. Medo embutido nas pessoas, aquele medo de que “tenho que dar certo”. Dar certo é muito relativo. Eu decidi falar sobre isso em “Sofia”. O livro vem do desejo de falar para mim e para quem amo o sentido da liberdade. A vida está aí, não nos falta nada.

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