segunda-feira, 18 de abril de 2011

Strokes, 10 anos: Sobre qual guerra falam em 2011?

O ambiente é clássico, vitoriano. No centro do salão, uma mesa imponente, semiposta, acolhe candelabros acesos, pratos vazios, talheres, fina toalha branca. Uma única cadeira – vermelha, solene – está à mesa, à cabeceira. O salão está vazio, exceto por uma banda de rock, que toca seu feijão-com-arroz ao lado da mesa vazia, para uma plateia que não existe. A banda é a nova-iorquina The Strokes, que apresenta nesse vídeo Under Cover of Darkness, uma das faixas mais cabisbaixas de seu quarto álbum, Angles.

A melodia e o tratamento musical funkeado não chegam a ser baixo astral, mas a letra chama “amigos” de “adversários” e justapõe imagens como “todo mundo vem cantando a mesma canção por dez anos”, “é um pesadelo/ então estou me alistando no Exército” e “eles sacrificam suas vidas/ na terra daqueles olhos-fechados”. Faz dez anos que os Strokes surgiram como queridos da hora no circuito pop-rock internacional, com o álbum Is This It, editado originalmente poucos dias após os ataques de 11 de setembro de 2001 a Nova York.

O medo despertado em Strokes, nova-iorquinos e estadunidentes em geral por aqueles povos estranhos que vêm do outro lado do planeta não se dissipou ao longo da década, e deve ser deles mesmos a tal mesma canção que se repete por mesmos dez anos sem parar. Sobre qual guerra falam em 2011? Quem são os tais “olhos-fechados”, pertencentes a qual terra distante, por culpa (culpa?) dos quais tantas almas (norte-americanas, por certo) sacrificam suas vidas? A cadeira está vazia, a resposta não vem assim tão fácil.

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Outra faixa do disco Angles, a bela e funkeada Machu Picchu (seriam “fechados” os olhos dos peruanos, onde resistem as ruínas de Machu Picchu?), se dá conta de que há “uma nuvem violenta” no ar, e que essa tal nuvem “está nos EUA”. Ainda noutro rock, Games, a voz chorosa do vocalista Julian Casablancas repete inúmeras vezes lamúria sobre estar “vivendo num mundo vazio”. Será esse vazio o mesmo do salão vazio da mesa vazia da cadeira vazia de Under Cover of Darkness?

O cenário do vídeo se modifica mais adiante: a banda ressurge num palco, regida por um maestro erudito, enquanto cada músico toca sentado em frente a partituras como as que costumam frequentar concertos, e não shows de rock. A brincadeira é divertida – como seria um mundo no qual roqueiros olhos-fechados tocassem com partituras, enquanto violonistas, violoncelistas e vietnamitas tirassem acordes de rock’n’roll de seus instrumentos?

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A inversão de signos é a tônica aqui, numa construção que remete à simbologia pop-aristocrática do filme Maria Antonieta (2006), de Sofia Coppola, filha do emblemático cineasta Francis Ford Coppola. Assim como Sofia é Coppola, Julian é Casablancas (filho de John Casablancas, fundador da Elite Model Agency Group) e o guitarrista Albert Hammond Jr. traz para o século XXI o nome do pai (compositor de hits pop-rock do início dos anos 1970, como The Air That I Breathe e It Never Rains in Southern California). Édipo grita esganiçado na “terra da liberdade”.

Ao final do vídeo, a câmera passeia pelo auditório onde a orquestra de rock regida por um jovem pai-maestro-filho se apresentava e era aplaudida. As cadeiras (vermelhas) do teatro (ou cinema) estão vazias, tão vazias quanto o salão de jantar do início do clipe, os versos de várias das canções de Angles e o mundo antigo sobre o qual a indústria norte-americana do entretenimento se sustentava. “Só estou tentando achar/ uma montanha que eu possa escalar”, queixa-se a letra sem rumo de Machu Picchu. “A fofoca é verdade”, descobre o mesmo rock, autoapocalíptico e de tônus jovem, vibrante e antiquado como o da maioria dos rocks de hoje em dia.


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fonte:uol

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