sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Segundo o pastor, o mundo muda e meio mundo está lelé da cuca

Não acredite em tudo o que lhe dizem, ouve ou lê. Pense como o pastor. Olhe o primeiro-ministro nos lábios (afunde no “read my lips”) e procure a verdade.

Não precisamos nem nunca precisaremos de ajuda externa enquanto ele for o chefe; estamos bem e a recuperar como prova a primeira página do Expresso, confirmada oficialmente em 48 horas. Esta é a verdade que se encontra nos lábios de Sócrates.

É verdade que a execução orçamental de Janeiro correu bem. Poderia ter sido diferente? Podia, mas seria a antecipação de um desastre. O resultado é naturalmente positivo em função dos cortes efectivados. Também não foge completamente à verdade o facto de as portagens nas SCUT partirem de uma exigência do PSD - conforme Sócrates afirmou na enésima inauguração de um túnel que vai ligar a interioridade lusa a um novo mundo. Para eles, finalmente reconhecidos, não haverá um cêntimo a mais num encontro justo com o desenvolvimento.

Em colisão com o futuro, o primeiro-ministro desdobra-se em passeios domésticos - um dia de autocarro eléctrico, no outro de híbrido. Enquanto isso, o vulcão dos mercados ameaça lançar as suas cinzas perante o país do choque tecnológico e das energias alternativas. Comunguemos, pois, da fé inabalável do engenheiro Sócrates num Portugal que pula e avança, indiferente à realidade e à percepção que os mercados têm dele, o país. Sócrates negará sempre, coerente com a sua ideia de que "no passa nada". Tem razão: "no passa nada", até se passar.

E enquanto o mundo pula, há meio mundo que teima em contrariar o pastor no seu acto de fé. O governador do Banco de Portugal subscreve o estado recessivo da economia nacional; o presidente do Banco Central Europeu pede rigor na execução orçamental e exige uma prática convincente; o Wall Street Journal anuncia que o "resgate não vai passar de Março ou Abril"; Wolfgang Munchau, o influente colunista do Financial Times, diz ao Expresso que um financiamento "acima dos 7% é irresponsável"; o Correio da Manhã noticia que três ministérios aumentaram a despesa em Janeiro; o Diário Económico avança que a Standard & Poor's avalia a descida do ‘rating' português. E, em entrevista à BBC, o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, põe na mesa a ajuda a Portugal.

Claro está que a Alexandre Soares dos Santos sobra dinheiro mas falta polimento; a Marques Mendes sobra argúcia mas falta palco; a Marcelo Rebelo de Sousa falta acertar no dia e na hora da certidão de óbito. Assim pensa José Sócrates. Tal como o pastor. Que vai percebendo que o mundo muda, mas também pensa que meio mundo está lelé da cuca.
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Raul Vaz
raul.vaz@economico.pt

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